ANÁLISE TEXTUAL DE
MATEUS 24.29-31 E 2 TESSALONICENSES 2.3-7 SEGUNDO A ÓTICA ESCATOLÓGICA
PRETERISTA
Por Davi Peregrina & Victor Concolato
Preliminarmente, é mister trazer a baila alguns conceitos, ainda que de
modo bem simples, das nuances e peculiaridades da visão escatológica
preterista.
Segundo Campbell[1], são
quatro os modos de se ler o apocalipse: Historicista, que considera como a
carta falando sobre a história desde a morte e a ressurreição de Jesus até sua
vinda como juiz; Idealista, que considera o apocalipse como princípios
atemporais, mas que retratam um padrão de eventos que são repetidos ao longo da
história; Futurista, que cita os acontecimentos narrados em um futuro distante,
pelo menos ao ponto de vista dos leitores originais; e o nosso objeto deste
estudo, a visão Preterista.
Segundo esta visão, os eventos narrados no Apocalipse seriam afetos a
fatos ocorridos por volta do momento em que a carta foi escrita. Considerando
esta vertente, a carta de Apocalipse teria um alto valor epocal aos cristãos do
primeiro século, uma vez que teria sido escrita para aqueles.
É importante ainda citar que uma objeção que muitos se ocupam em impor a
esta visão é a questão da datação da escrita do livro. As possíveis datas de
sua escrita seriam 95 ou 96 d.C. ou uma mais primitiva, por volta de 68 d.C. ou
seja, antes da destruição de Jerusalém em 70 d.C.
Muitos eruditos já se debruçaram sobre essa questão, sendo que a visão
preterista encontra esteio na data mais antiga, anterior à destruição do templo
de Jerusalém.[2]
Destarte, esclarecidos os principais pontos da visão preterista,
principalmente quanto à consideração da data de escrita e o público alvo da
carta de João, é possível passar a análise dos textos Mateus 24.29-31 e 2
Tessalonicenses 2.3-7 quanto ao entendimento tocante a esta visão.
2. ANÁLISE
DE MATEUS 24.29-31
O texto de Mateus 24, chamado de sermão profético de Jesus, encontra-se
também registrado em marcos 13 e Lucas 21.
"Imediatamente após a tribulação daqueles dias ‘o sol
escurecerá, e a lua não dará a sua luz; as estrelas cairão do céu, e os poderes
celestes serão abalados’. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e
todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo nas
nuvens do céu com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com grande
som de trombeta, e estes reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma a
outra extremidade dos céus.”
Buscando ater-se à seção comportada pelos versículos de 29 a 31, é claro o seu caráter
escatológico quando em referência à vinda do filho homem.
Sob essas premissas, a interpretação bíblica preterista, buscando encontrar
nela própria a sua interpretação[3], lê
o texto de Mateus buscando encontrar significação paralela em Isaías 13.
“Advertência contra a Babilônia, que Isaías, filho de
Amoz, recebeu em visão: [...] As estrelas do céu e as suas constelações não
mostrarão a sua luz. O sol nascente escurecerá, e a lua não fará brilhar a sua
luz. Castigarei o mundo por causa da sua maldade, os ímpios pela sua
iniquidade. Darei fim à arrogância dos altivos e humilharei o orgulho dos
cruéis. Tornarei o homem mais escasso do que o ouro puro, mais raro do que o
ouro de Ofir. Por isso farei o céu tremer; e a terra se moverá do seu lugar
diante da ira do Senhor dos Exércitos, no dia do furor da sua ira"
É notório que ambos os textos possuem linguagem semelhante, sendo que é
importante considerar que no caso do texto de Isaías, tudo aquilo já tinha
ocorrido contra a Babilônia, a quem a profecia é destinada de acordo com o
primeiro versículo de Isaías 13.
Assim, devido a grande semelhança de linguagem, é possível que Mt
24:29-31 não necessariamente esteja se referindo a um futuro distante, mas a
algo próximo aos primeiros ouvintes daquelas palavras.
A interpretação preterista utiliza dados históricos para este textos
apocalípticos, no caso, a Guerra dos Judeus[4] que pode ser melhor estudada
nos escritos de Flavio Josefo[5]
sobre esta guerra.
Além disso, é importante ressaltar alguns outros pontos do texto de
Mateus. No verso 34 do capítulo de Mateus aqui abordado, lê-se: “Eu lhes asseguro que não passará esta
geração até que todas essas coisas aconteçam”. O texto por si só assegura a
brevidade dos acontecimentos.
Destarte, ao refletir sob a ótica preterista no tocante a este pequeno
trecho das escrituras, é possível verificar que ela é altamente pertinente.
Ademais, diante das diversas possibilidades contemporâneas de
interpretação do que pode ser o Apocalipse (III Guerra mundial, desastres
naturais e afins), entendê-lo como algo que já ocorreu diminui as variáveis e
fortalece outros textos bíblicos que se referem à proximidade temporal da
profecia àquela geração. Além disso, também aumenta a facilidade na
interpretação do texto, o que é coerente, visto que Deus utiliza de sua Palavra
para ensinar aos homens.
3. ANÁLISE
DE 2 TESSALONICENSES 2.3-7
“Ninguém de maneira alguma vos
engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se
manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, O qual se opõe, e se
levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se
assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus. Não vos
lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco? E agora
vós sabeis o que o detém, para que a seu próprio tempo seja manifestado. Porque já o mistério
da injustiça opera; somente há um que agora o retém até que do meio seja
tirado;”
2 Ts 2:3-7 Grifo Nosso
Não obstante às grandes objeções que os contrários ao preterismo possam
elencar com base neste texto, é mister apresentar os argumentos favoráveis,
como forma de ressaltar a plausibilidade desta forma de interpretação.
Nesta passagem, o apóstolo Paulo, que está tratando do dia do Senhor,
condiciona tal evento a dois acontecimentos: a apostasia e a revelação do homem
da iniquidade.
Sobre a apostasia, preteristas apontam duas possibilidades para a
interpretação do termo, baseados na etimologia da palavra. A primeira
interpretação traz consigo a ideia de abandono, mas este vocábulo pode apontar, também, para a ideia de revolta.
Seguindo o argumento preterista, a revolta (apostasia) judaica contra
Roma, seria o cerne que justificaria a visão no texto.
Considerando outras porções das escrituras como forma de trazer luz e
embasamento a este pensamento, textos como Mt 23.32, Lc 21.21,22, At 2.19-20,
estariam se referindo a uma medida de pecados de Israel que o levaria a um
julgamento da parte de Deus.
Desta forma, a rebelião (apostasia) judaica contra Roma, que culmina na
Guerra Judaica (já citada anteriormente) seria o resultado de uma apostasia
contra Deus, o qual estaria vindo com julgamento sobre o povo judeu, em virtude
de seu abandono.
Assim, segundo o argumento preterista, a apostasia
mantém um duplo caráter: político e religioso, e permite situar este momento
àquela época.
Sobre o homem da iniquidade, preteristas extraem do próprio texto as
pistas que o permitem direcionar a uma pessoa específica do primeiro século. “E agora vós sabeis o que o detém”
(2 Ts 2.6) A expressão usada pelo autor (agora)
condiciona temporalmente ao fato do homem da iniquidade estar sendo detido
àquele momento epocal. O autor ainda deixa claro no verso 7 que o “mistério da injustiça opera”, ou seja,
já estava operando, mas o homem estava sendo detido naquele momento da escrita
da carta aos Tessalonicenses.
Todavia, segundo o texto aos Tessalonicenses, o homem da iniquidade que
estava sendo detido precisa ser revelado. Ainda que alguns neguem que este
homem seja realmente um indivíduo, o entendimento é que Paulo se refere a algo
existente em sua época.
Neste ponto, preteristas apontam o imperador romano Nero como a única
pessoa viva no primeiro século que possa ser apontado como o homem da
iniquidade.
Nero era vivo no momento da escrita da carta; era conhecido dos
Tessalonicenses, que sabiam quem é aquele que o detém (referência a não ter
assumido o reinado ainda, que pertencia a Claudius); ele era notoriamente
conhecido pela extrema impiedade e iniquidade. Estes argumentos históricos são
alguns dos utilizados para embasar o entendimento de que Nero, o imperador Romano,
era o homem da iniquidade.
4. CONCLUSÃO
Ainda que não exista unanimidade quanto ao entendimento dos textos
escatológicos, a visão preterista se apresenta com robustos argumentos que
merecem ser considerados e aprendidos.
Tal falta de consenso, de maneira alguma enfraquece o texto sagrado, ao
contrário, encontra na diversidade de visões, a riqueza capaz de apresentá-lo
plenamente concatenado com os demais escritos canônicos.
Como já fora abordado, o entendimento da datação do Apocalipse como
anterior à destruição de Jerusalém aumenta a proximidade com os cristãos
daquela época, além de facilitar a interpretação do texto.
De fato, diversas são as possibilidade de interpretação dos textos
canônicos que tratam das últimas coisas, todavia, cabe não apenas ao estudioso,
mas a todos os cristãos, independente do seu grau de aprofundamento teológico,
deixar de lado as diferenças, e assumir um papel que torna possível e seguro o
caminhar rumo ao dia final, conforme já foi dito pelo antigo conselho: “Vivamos o dia de hoje como se Cristo
voltasse amanhã.”
5. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BELL, William H. Jr. A Data do Livro de Apocalipse, como isso afeta nossa interpretação? Tradução:
Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em www.monergismo.com.
CHILTON, David. A
Vinda do Anticristo. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
www.monergismo.com.
DEVENTER, Jack Van. A datação do Apocalipse. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto.
Disponível em www.monergismo.com.
GENTRY JR, Kenneth L. A Importância da Data do Apocalipse. Tradução: Felipe Sabino de
Araújo Neto. Disponível em www.monergismo.com.
GENTRY JR, Kenneth L. O Anticristo. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
www.monergismo.com.
GENTRY JR, Kenneth L. O Apocalipse para leigos. Tradução André de Tattos Duarte.
Brasília-DF: Monergismo, 2016
GENTRY JR, Kenneth L. O Homem da Iniquidade, uma interpretação preterista pós-milenista de 2 Tessalonicenses
2. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
www.monergismo.com.
MATHISON, Keith A. O Homem da Iniquidade. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto.
Disponível em www.monergismo.com.
SPROUL, R. C. Os
últimos dias segundo Jesus. São Paulo: Cultura Cristã. 2002. pp 107-124
[1]
No artigo denominado Quatro Interpretações de Apocalipse – Teologia Visual, do Blog
Voltemos ao Evangelho, seu autor alude ao texto de Phil Campbell e Mark Barry,
adaptado de “The Univeiling” studies by Phil Campbell (www.mpc.org.au).
Disponível em http://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/08/quatro-interpretacoes-de-apocalipse-teologia-visual/,
consultado em 05/09/17.
[2]
William H. Bell, Jr. aborda essa questão
em seu artigo A Data do Livro de
Apocalipse, Como isso afeta nossa
interpretação (Parte1). Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, em
março/2008. Disponível em www.monergismo.com.
Kenneth
L. Gentry, Jr. Trata brilhantemente do assunto em A
Importância da
Data do Apocalipse. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em
www.monergismo.com.
[3] Scriptura sacra sui ipsius interpres - Escritura se interpreta a si mesma - Lutero
[4]
Entitulado Peri Tou Ioudaikou Polemou
[Guerra dos judeus], foi escrito por volta de 75 d.C, foi publicado em sete
livros e patrocinado pelo imperador romano Flávio Vespasiano. O preterismo se
vale dele no que tange aos nomes e acontecimentos da guerra.
[5]
Flavio Josefo foi um historiador judeu
rico. Serviu como general contra Roma e trabalhou com o Imperador Vespasiano
após se render a ele. Foi considerado um desertor ao longo da história pelos
judeus por pedir que se rendessem aos romanos e abandonassem seus ideais. Seu
nome, anteriormente era Yosef ben Mattityahu.