Introdução
O profeta Habacuque, é um dos chamados profetas menores elencados no
cânon bíblico, não por sua mensagem ser de grandeza inferior, mas simplesmente
por ser parte do grupo de profetas que deixou pouco conteúdo escriturístico, ainda
que de grande importância.
Ele tem como significado de seu nome “abraço”, ou “abraçado por Deus”, e
este abraço é o que o fortalece a fortalecer a outros. Além disso, o texto
possui a particularidade de uma notação musical em 3.19, o que possivelmente
indica que o profeta possuía uma habilitação musical para liderar a adoração no
templo como membro da família levítica.
Em seu conteúdo, o livro de Habacuque trata sobre questões sociais
injustas que rodeavam o profeta e relata sobre a necessidade de levar com fé as
questões da vida Àquele que a criou.
Comentário sobre o livro de Habacuque
O pequeno livro de Habacuque inicia com o profeta relatando sua desconfortável
posição em meio à impiedade, violência, destruição e injustiça. Ele questiona
Deus usar um exército de fora, os Caldeus para trazer juízo ao povo.
Já no segundo capítulo, a clara resposta de Deus, refere-se à fé do justo
como sendo a base para o seu viver, enquanto o povo, a seu tempo, seria
julgado, pois os ganhos injustos e a maldade são inúteis.
No terceiro capítulo, Hababuque ora engrandecendo a Deus em todas as
coisas, em todas as situações, mesmo nas mais adversas, e conclui externando
que sua alegria está firmada no Senhor que o salva.
Lições
Desde os primeiros versículos de seu livro é possível notar que o profeta
encontra-se em um momento triste, possivelmente depressivo, lamentando diante
de injustiças sociais, violências, destruição. O profeta ainda sente o peso de
clamar a Deus, e este parecer estar inerte e ignorante ao seu clamor.
Mas o texto não termina apenas apresentando o lamento, ele evolui,
passando por um chamado de Deus à fé, e conclui alcançando o patamar de uma
vida acima dos problemas embasada na alegria em Deus.
Essas palavras nos ensinam posturas que são preciosas lições sobre a vida,
a fé e os problemas:
1)
Habacuque cria que Deus tinha solução para os seus
problemas
Injustiças sociais, povo oprimido, juízo pervertido, violência eram temas
que estavam presentes na realidade social de Habacuque e o afligiam
constantemente.
Assim como o profeta, nós também somos bombardeados com informações e
notícias que remetem a um pano de fundo muito semelhante ao de Habacuque, ou
por melhor dizer, talvez até pior. Somos levados a criar juízos de valor sobre
certo e errado, sobre aqueles que devem ou não ser punidos, passamos a agir por
contra própria como magistrados impondo duras penas àqueles que não concordam
com nossos pensamentos ou que vivem de maneira ímpia supostamente fora da
vontade de Deus.
Quando vemos as injustiças podemos ter vontade de agir e sanar, à nossa
maneira, os comportamentos que pensamos serem incorretos. Quem nunca desejou
que algum estuprador preso por cometer o ato com uma criança, recebe sua paga
na mesma moeda na própria cadeia? Mas a orientação bíblica para nós é que
devemos ter uma justiça que excede a justiça do mundo (...se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus,
de modo nenhum entrareis no reino dos céus" - Mt 5:20).
Como proceder então? A resposta esta pergunta encontramos no primeiro
capítulo do livro de Habacuque, que mesmo em meio a todas àquelas atrocidades
mostra o profeta levando a Deus seus problemas, crendo que somente Ele tinha a
solução.
Então, devemos crer e levar nossos problemas a Deus em oração!
Mas será que temos feito isso ou apenas temos sido seletivos em nossas
orações, tirando da pauta os assuntos que julgamos, ainda que de forma
inconsciente, não estar na alçada do Divino.
Ao levar suas queixas ao pai, o profeta não vira para o lado e descansa,
ele fica em prontidão, como uma sentinela (Hc 2.1). Deixar de lado uma vida de
prontidão e viver maneira relaxada e desligada da voz do seu general, sem estar
pronto para ser acionado a qualquer momento é um dos grandes erros das orações
de alguns cristãos. Essa prontidão revela-se no relacionamento que devemos ter
com Deus, pois Ele espera que esse relacionamento seja uma prioridade para nós.
Talvez a mais simples e direta oração de alguém que tinha intimidade com
Deus esteja relatada em Nm 12.13 quando Moisés, em meio a rebelião de Arão e
Miriã, após ver sua irmã ser tomada por lepra diz o seguinte: “Ó Deus, rogo-te que a cures.”. Sem
floreiros, sem palavras difíceis, sem impostação de voz, sem acentuar os “s”
nos finais das palavras, Moisés simplesmente pediu, mas esse pedido tinha um diferencial,
era o pedido de alguém que mantinha intimidade com o Pai.
Intimidade com Deus é cultivada com a prontidão no relacionamento com
Ele, zelando para agir segundo sua vontade e guardando o que Ele tem ordenado.
De fato, crer que Deus tem solução para todos os nossos problemas não é a
garantia de que eles serão resolvidos da maneira como esperamos, mas é o
patamar inicial para viver segundo uma nova centralidade de vida, a vida pela
fé.
2)
A fé deve ser o centro da vida com Deus. (Hc 2.4)
O centro teológico do livro de Habacuque repousa sobre o trecho “o justo viverá pela fé” (Hc 3.2). Essa
orientação divina vai de encontro à diversas expectativas humanas, onde esse
costuma esperar e viver buscando soluções palpáveis para suas adversidades.
Deus está chamando a atenção para uma mudança de paradigma, que deixa de
lado o que pode ser medido, o que é lógico, o que pode ser esperado, e passa a
contar com algo que nem sequer ainda existe.
O autor aos Hebreus descreve fé em seu capítulo 11, no verso primeiro
como “... o firme fundamento das coisas
que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.”. Muito mais
confortável é quando é possível firma-se em algo que é esperado, tangível,
visível, mas não é este o chamado àqueles que vivem pela fé, e sim o oposto, a
viver pelo que não se tem garantias, pelo que não pode ser medido, pelo que é
invisível.
Cabe ainda observar que o termo utilizado no original hebraico para justo
no texto de Hc 2.4 é tsaddiq[1],
que tem por significado aquele que é certo, justo, puro, transparente, honrado,
honesto, íntegro em sua conduta. É imprescindível notar que ser um justo não é
um simples sintagma a ser um cristão, mas um padrão de vida que almeja uma vida
com qualidades que devem ser buscadas em todo tempo.
Podemos compreender então, que uma vida centrada na fé não tem sentido se
não for buscada por aquele que seja possuidor de padrões éticos e morais que
diferem à injusta sociedade em que está inserido. Esse justo, sim, é o que
viverá pela fé.
É justamente sobre esse patamar que Deus está conclamando aos justos
através Habacuque, para que possam ascender a um nível superior, nível este que
encontra-se acima dos problemas.
3) É possível aprender a andar acima dos problemas e se alegrar no
Senhor que te deu a salvação. (Hc 3. 17-19)
A trajetória do profeta que colocou seus anseios diante de Deus, e que
foi conclamado a viver uma vida justa baseada na fé agora alcança um novo
patamar. Um nível que ultrapassa o
conhecimento e a lógica humana e só pode ser compreendido por aqueles que
trilharam o caminho da fé.
Neste ponto, a forma literária do texto muda, o livro iniciado em prosa,
agora passa a ser escrito como poesia, que era uma maneira de facilitar a
compreensão e o aprendizado, devido a importância da mensagem.
“Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado;Todavia eu me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação.” Hc 3.17,18
“Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado;Todavia eu me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação.” Hc 3.17,18
Não se importar se algo não vai bem, se os inimigos assolam trazendo destruição, se a situação não está favorável, mantendo a alegria embasada naquele que é a sua salvação é um nível para poucos.
Seria muito mais fácil e agradável esperar que a alegria estivesse
firmada na ausência de problemas. Há alguns que advogam em prol dessa vertente,
de maneira leviana, através de interpretações tendenciosas de trechos bíblicos,
apregoando que o cristão não deveria padecer problemas, privações ou
necessidades. Mas esta não é a premissa bíblica! Habacuque nos mostra que o
verdadeiro sentido de uma vida justa e santa e ter a alegria de estar acima dos
problemas, saber que independente das dificuldades, o Senhor é maior e tem a resposta
para todos os problemas.
Os incômodos problemas que foram citados no primeiro capítulo de
Habacuque podem não passar rapidamente. Alguns podem perdurar por muito tempo,
mas o profeta agora é capaz de mudar o tom de suas palavras, de um indignado lamento
para uma alegre exultação. Isso só foi possível pela provisão da fé, e ainda é
possível ainda nos dias de hoje. Deus tem para seu povo uma alegria que passa por
uma vida justa, é permeada pela fé, e vai além do natural permitindo alcançar a
certeza da salvação.
Esse movimento gera força, força para correr, andar sobre alturas (Hc
3.19) e fazer da sua vida um doce cântico, um cântico que agrade ao Senhor.